Histórias das histórias da psicanálise no Brasil

 - IF YOU WANT TO READ THIS TEXT IN YOUR LANGUAGE, SEARCH FOR THE OPTION "Tradutor" (Translator) IN THE TOP LEFT OF THE SCREEN -

Estando de férias, deixo como postagem da semana não um texto, mas dois links de conversas muito agradáveis, além de um comentário e divulgação de um movimento que está se tornando bastante perceptível nas produções textuais e audiovisuais relacionadas ao campo psicanalítico no Brasil. 

Uma das conversas é um vídeo com o cientista político Christian Lynch, no qual abordamos os seguintes temas:

a) As relações entre psicanálise e ciência. 

b) A história da psicanálise no Brasil.

c) A psicanálise dos traumas coletivos.

d) Os efeitos da ascensão de um neofascismo no Brasil e de que modo ela afeta a experiência psicanalítica. 

e) O último livro que organizei, Percursos psicanalíticos no Brasil (CATTAPAN, 2024).

Eis o link: https://youtu.be/WK5i8KPhFPY?si=Yyw3fl_KeOab3pmD

Arco-e-flecha (Artur BISPO DO ROSÁRIO,  s/d.)

A outra conversa foi travada com a psicanalista Michele Kamers, fundamentalmente também sobre este meu último livro e sobre a história da psicanálise no Brasil - assunto que também a interessa (esse foi o ensejo de seu convite a fazermos essa live) e que a tem levado a fazer uma importante pesquisa, também através de entrevistas, tal qual a minha, e que ela promete transformar em um livro em breve. Estou no aguardo!

Eis o link: https://www.instagram.com/reel/C-Y6AD6vrzl/?igsh=MWhzMDF3OGVlZG8xMg==

Aliás, importa mencionar que, concomitantemente ao interesse de Christian Lynch, ao meu e ao de Michele Kamers e, de certo modo, dando continuidade a trabalhos pioneiros como os de Ana Cristina Figueiredo (Estratégias de difusão do movimento psicanalítico no Rio de Janeiro 1970-1983,1984) e de Daniel Kupermann (História da transferência na institucionalização da psicanálise, 1993), há ainda mais gente hoje ocupada em registrar a história da psicanálise no Brasil e suas especificidades. Cito aqui quatro outros trabalhos: 

- O último livro de Tania Rivera, Lugares do delírio: arte e expressão, loucura e política (RIVERA, 2024), que embora não tenha como tema principal a história da psicanálise no Brasil - mas sim a história e a problematização das relações entre arte e loucura, dando destaque para o valor curativo da produção delirante -, dedica uma grande parte à recuperação de uma história pouco contada: a imbricada história das relações, no Brasil (mas não só nele), do pensamento e da prática psicanalíticos seja com a experiência artística, como com a estética e a crítica de arte, bem como da intersecção destes dois campos com a clínica ou a ausência de clínica e tratamento nos dispositivos segregadores reunidos sob o significante 'manicômio', e também de sua desconstrução através da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica que tomaram fôlego em nosso país no final da década de 1970. Por exemplo, a produção estética dos internos dos hospitais psiquiátricos brasileiros é pensada em sua articulação com o pensamento e algumas intervenções inspiradas na psicanálise e na sua interlocução (ou ausência de) com os ditos artistas reconhecidos pelo campo da crítica e da história da arte. Certamente a vida e a obra de Artur Bispo do Rosário ocupam um lugar crucial nas interessantes e ousadas reflexões de Rivera, que talvez gostasse que fossem chamadas de delirantes também, implodindo mais uma vez - como ela faz em seu instigante trabalho - a separação entre o louco, o delírio, o normal e o trabalho criativo/estético.

Mel Gibson em Hamlet (Franco ZEFFIRELLI, 1990)

Como muitos leitores podem imaginar pelo título de meu blog, o livro trata de um campo de pesquisa e de reflexão clínica que é justamente aquele no qual me insiro desde meu mestrado, mas acredito que deva interessar um público ainda maior, tendo em vista a afiada e desafiadora prosa de Tania Rivera que busca - e consegue - quebrar muros entre manicômios, consultórios, oficinas, museus, galerias e ateliês.

- O de Thaís Klein, minha colega da UFF, e psicanalista da Formação Freudiana, que tem gravado interessantes podcasts com psicanalistas com a finalidade de capturar relatos vivos sobre a história da psicanálise no Brasil, ao escutar os próprio protagonistas. Essas gravações são encontradas no Spotify sob o título de Rádio Psicanálise: o já mencionado Daniel Kupermann é um dos entrevistados, o primeiro, o que faz surgir nesta conversa a estranha figura da história da história da escrita da história da psicanálise no Brasil, o que faz lembrar esses jogos de dentro e fora, caixas dentro de caixas que incluem a si mesmas, tão presentes na obra de Jorge Luís Borges, mas que já se encontram, na verdade, na peça dentro da peça em Hamlet (SHAKESPEARE, 1599-1601) e no livro dentro do livro em Dom Quixote (CERVANTES, 1605-15).

- O novo livro de meus colegas e amigos do EBEP-RJ, Bruno Siniscalchi, Luciano Dias e Natasha Helsinger, É de raça que estamos falando: tornar-se herdeiro da psicanálise no Brasil (SINISCALCHI, DIAS & HELSINGER, 2024). Como pode-se supor pelo nome, o livro busca abordar a história da psicanálise no Brasil considerando-a como um campo de luta política de descolonização desta herança europeia (e, por extensão - eu acrescentaria -, marcada pela branquitude, pelo platonismo e pela tradição judaico-cristã) que, em sua história, se atualizou tanto no higienismo, como nas associações macabras entre a repressão ditatorial e parte dos psicanalistas. Trata-se de fazer os atuais psicanalistas olharem para sua história, na tentativa de fazê-los elaborarem as partes mais dolorosas, para eles e para outrem. De novo, a estrutura da caixa dentro da caixa, posto que os psicanalistas autores deste livro, ao endereçarem este livro aos psicanalistas brasileiros, estão endereçando também a si mesmos, além de outrem.

Retrato de Oswald de Andrade (Tarsila do AMARAL, 1922)

- O livro, organizado por Fernanda Canavêz e Joel Birman, Psicanálise à brasileira (CANAVÊZ & BIRMAN, 2024). Aqui diversos psicanalistas brasileiros assinam textos não necessariamente concordantes e, por isso, bem demonstrativos da pluralidade de pontos de vista, entre os psicanalistas deste país, a respeito de se haveria - e quais seriam - as especificidades da prática e do pensamento psicanalíticos no Brasil. Adianto minha opinião a qual, estranhamente, se evidencia se enunciando através da própria forma deste grande mosaico: uma especificidade da psicanálise no Brasil é justamente que aqui ela não é monolítica; diversas escolas, diversas experimentações habitam este território, ora em conflito, ora ignorando umas às outras, ora em convergência; ora em nichos fechados, ora na cena pública...a psicanálise no Brasil é múltipla, muito difícil definir seu rosto, sua imagem, uma definição para ela como se tem feito a respeito da psicanálise argentina, da estadunidense, da inglesa, da francesa ou da húngara, por exemplo, é um grande desafio na terra do Manifesto antropófago (ANDRADE, 1928).

Aliás, no próximo dia 30 de agosto, na sede do EBEP-RJ, os autores dos dois últimos livros, eu, Sérgio Gomes (editor e também entrevistador no meu livro), bem como Thaís Klein e Erico Andrade estarão presentes, numa minijornada aberta ao público externo e gratuita, exatamente sobre este assunto, que chega a mim como uma questão inquietante: "Porque será que tantos psicanalistas brasileiros estão, neste momento histórico, ocupados em contar a história da psicanálise no Brasil?". As respostas a essa questão são menos importantes, elas não a anulam - a questão permanece ecoando, ecoando e nos levando a pensar, elaborar e fazer, como propõe Gilles Deleuze em Conversações (1972-90).

Deixo uma hipótese, ainda assim: se a crítica nietzscheana e foucaultiana do poder já havia direcionado a atenção do campo progressista para a micropolítica, para as disputas, para o jogo de forças presentes na vida cotidiana, nas instituições (inclusive as psicanalíticas - instituições de formação e a instituição 'consultório'), a ascensão do neofascismo - que em parte se organizou em reação àquela abordagem política (por exemplo através do ódio à foucaultiana Judith Butler) - trouxe a asserção de que toda prática e decisão é política de novo para o primeiro plano do debate político, generalizando-o e tornando-o incessante e tentando estabelecer um programa de dominação da conduta e do pensamento. De certo modo, não há mais como contornar esse campo em disputa: as práticas cotidianas instituídas. As tentativas de escrever a história da psicanálise são, nessa perspectiva, uma estratégia de entrar nesta disputa demonstrando como os jogos de poder constroem, modelam, remodelam o exercício da psicanálise: enfim, não há de um lado a psicanálise e de outro o poder, mas sim que a psicanálise se constrói dentro de certo campo de batalha e expressa através de sua reiteração o que está em jogo.

Dom Quixote (Honoré DAUMIER, 1850-60)

Comentários

  1. Muito bom, Pedro, teve link e teve texto tb! Boas férias!

    ResponderExcluir
  2. Gratissima
    pelos comentarios e informaçoes...Boas ferias

    ResponderExcluir
  3. Gostei muito sobretudo pelo titulos dos livros q espero em breve poder let

    ResponderExcluir
  4. Tirar férias e deixar um texto, Um dos ecos do por quê contar a história?
    Grata pela partilha!

    LuciLa

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Trompe l'oeil na formação de psicanalistas

Psicanálise, velhice e solidão (e uma crítica a Pasternak)

Um ato falho histórico ou O Inconsciente nas franjas do marketing