Machismo e misoginia na cuca do brasileiro
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Semana passada, após uma classificação difícil de seu time para as oitavas de final da Copa do Brasil do futebol masculino, numa disputa de pênaltis contra o Remo, o técnico do Corinthians, Alexi Stival, o "Cuca", pediu demissão. Provavelmente esta decisão já tinha sido tomada, ou ao menos havia sido sugerida aos jogadores antes da partida acabar - digo isso porque, assim que o time do Corinthians viu sua classificação sacramentada, sob a liderança dos heróis do jogo, Roger Guedes e Cássio (e esse não só herói do jogo, mas herói dos maiores títulos que o Corinthians conquistou em toda sua história - o Mundial de Clubes e a Libertadores da América), correu até Cuca e lhe deu um abraço coletivo dentro do campo, diante de todas as câmeras de TV e fotografia e dos olhos do público no estádio em Itaquera, São Paulo.
O que foi descrito acima poderia ser chamado de o fim de uma história. Mas não creio que seja. É, a meu ver, a atualização de uma polarização que tem marcado nosso país no campo da política e dos costumes. A TV e o futebol são instrumentos de propaganda política e ali se impôs um posicionamento machista e antifeminista por parte do elenco corinthiano. Pretendo discutir toda essa história referente a Cuca abaixo, com cuidado, e fazer dialogar com algumas ideias psicanalíticas.
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Ana Thaís Matos |
Se algum leitor, por acaso, não tem nenhum interesse em futebol, talvez esteja se perguntando o que este texto lhe importa. Pois eu digo que este texto não é fundamentalmente sobre futebol - o que está em pauta aqui é, para o desavisado, que Cuca foi condenado por estupro de uma menor de idade na Suíça, em 1989, e uma das principais campanhas publicitárias e de conscientização social do Corinthians é: "Respeita as Minas". Meu texto não será sobre futebol, nem sobre arte, mas sobre cultura: um comentário indignado sobre o quanto este episódio desvela nossa cultura de estupros no Brasil.
Importa aqui recapitular a história, para quem não a conhece: quando ainda era um jovem jogador de futebol do Grêmio, durante uma excursão do clube pela Europa, ele e mais outros três jogadores receberam uma menor de idade de 13 anos, Sandra Pfäffli, no quarto de hotel e, conforme ela depôs à polícia e novamente em julgamento, a violentaram sexualmente. O julgamento tomou curso, os jogadores (que voltaram ao Brasil e jamais puseram os pés na Suíça novamente) foram defendidos pelos advogados do Grêmio. Em 1989, ao final do processo, os réus receberam a sentença de culpados. Nenhum dos condenados cumpriu pena porque não voltou à Suíça e, após 15 anos da sentença não cumprida, em 2004, o prazo da condenação expirou. Segundo a lei suíça, o processo judicial está sob um sigilo de 100 anos, porém, na época da sentença, jornais suíços publicaram informações a seu respeito que o poder judiciário confirmou: ao que nos importa aqui está essa - foi encontrado sêmen de Cuca dentro do canal vaginal da vítima, informação reconfirmada pelo advogado da vítima agora em 2023.
A imprensa brasileira da época ignorou - em sua maioria - as informações veiculadas pelos colegas suíços e tratou os quatro jogadores brasileiros como injustiçados, com argumentos ora ufanistas, ora bairristas (quando se tratava da imprensa gaúcha), ora absolutamente machistas e misóginos, do tipo: "a moça não parecia ter 13 anos, tinha um corpão de 18", ou "se uma moça entra de noite no quarto de quatro caras, certamente não é só para ter a camisa autografada"; como se estes argumentos justificassem o estupro - e, no caso, um estupro coletivo de uma menor de idade.
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Cuca |
Tomado, em terras tupiniquins, o caso como um grande mal-entendido, quiçá sensacionalista, o terreno estava aberto para Cuca poder virar esta página na sua carreira no Brasil. Teve uma carreira de jogador de futebol interessante, "sem máculas", e, após se aposentar, iniciou uma carreira de treinador ainda mais bem sucedida: além de ter treinado em alguns dos mais importantes clubes do país, como Botafogo, Flamengo, Fluminense, Santos e São Paulo, ainda conquistou títulos muito importantes com o Palmeiras (campeão brasileiro) e com o Atlético Mineiro, onde fez seus melhores trabalhos, sendo ali um grande ídolo - foi, no Galo, campeão da Libertadores da América, do campeonato brasileiro e da Copa do Brasil. Muita gente queria Cuca na seleção brasileira quando o Corinthians o contratou.
A passagem por todos os clubes acima ocorreu como se os acontecimentos da década de oitenta tivessem sido apagados da história (e aqui a imprensa repetiu sua conivência com o apagamento dos fatos), salvo na passagem pelo Atlético Mineiro de 2021 (bem sucedida, aliás, que rendeu os títulos da Copa do Brasil e do Campeonato Brasileiro), quando começou a se articular, mas de modo ainda insuficiente, por parte da torcida atleticana o viral #CUCANÃO, evocando a história até então esquecida. Mas no Corinthians a repercussão foi muito maior.
Isso se deve a alguns motivos: em primeiro, o Corinthians é o clube com a segunda maior torcida do país (só atrás do Flamengo); além disso, sua torcida é identificada à massa, aos mais pobres; em terceiro e mais importante - o Corinthians é o clube, dentre todos os clubes de expressão nacional, que mais se fiou em pautas políticas progressistas, que mais se ligou a atitudes críticas que extrapolam o campo do futebol. Darei apenas três exemplos:
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Mariana Spinelli |
1) durante os anos 80, ainda sob a ditadura militar, o então diretor de futebol do Corinthians Adilson Monteiro Alves (pai do atual presidente do clube, Duílio - incrivelmente!), junto de jogadores politizados como Sócrates, Wladimir e Casagrande, fundaram a 'Democracia Corinthiana' que consistia inicialmente na gestão do futebol de modo democrático, de forma experimental, mas também como recado para a torcida e a sociedade como um todo - 'Queremos democracia!'. Não é de se espantar que estes personagens abraçaram a campanha pelas 'Diretas já!'. Até hoje o Corinthians dos anos 80 é lembrado com muito carinho e identificação pela torcida, um time que não rendeu muitos títulos (ainda mais se comparado ao que o clube se tornou dos anos 90 em diante), mas deu uma identidade aos torcedores do clube: Sócrates está sempre presente nas bandeiras da torcida ou nas listas de maiores ídolos da história do clube, se tornou um ícone com o qual cada corinthiano se sente intimamente ligado.
2) ano passado, assim que caminhoneiros e militantes bolsonaristas fecharam as estradas do país ansiando por um golpe de Estado - com conivência da Polícia Rodoviária Federal que se mostrou estranhamente inepta em desfazer tais bloqueios -, apenas dois grupos conseguiram desmontar os bloqueios: as torcidas organizadas do Atlético Mineiro e do Corinthians e, com seus atos, revelaram para qualquer um ver, duas coisas: o 'faz-de-conta' da incapacidade policial, tornando óbvia sua participação nos atos, e o desacordo e revolta de parte importante da massa popular contra os atos golpistas.
3) justamente a campanha em vigor no Corinthians, no momento da contratação de Cuca: "Respeita as Minas". Uma luta para tornar o mundo do futebol menos machista e misógino. Não é por acaso que o time de futebol feminino do clube se manifestou revoltado com a contratação de Alexi Stival. Ou que uma jornalista identificada ao clube, Ana Thaís Matos, tenha se posicionada tão indignada também.
O que fez toda a história de Cuca retornar do recalcado não foi uma pressão dela própria em vir à luz. Foi o trabalho de elaboração por parte importante dos corinthianos, marcados por sua Democracia, por suas atitudes críticas e progressistas e, em particular, por sua mais recente campanha anti-machista e anti-misógina. E aqui é preciso dizer que, apesar de infelizmente não representarem a classe, houve jornalistas importantes que reforçaram esta atitude corinthiana: além da própria Matos, vale lembrar de Milly Lacombe ou da jornalista mineira, mais envolvida com o Atlético, é verdade, e que era quase uma voz solitária e que agora encontrou a devida repercussão, Mariana Spinelli. São mulheres, como se vê, que estão conseguindo falar, gritar, berrar - pois às vezes é preciso. Não se pode esquecer, também, que há homens que continuamente as apoiaram e criticaram a atitude mais geral dos homens a respeito de Cuca - e, aqui, dois personagens identificados ao Corinthians se destacam: o ex-jogador e agora comentarista esportivo Walter Casagrande (o mesmo da Democracia Corinthiana) e o sociólogo e jornalista corinthiano de carteirinha Juca Kfouri. Além desses corinthianos, merece destaque também o jornalista carioca não ligado ao Corinthians, Eugenio Leal.
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Juca Kfouri |
Após a pressão desses atores, alguns jornalistas esportivos reviram sua história pública e humildemente, reconhecendo a estranha conivência do jornalismo brasileiro e de si próprios com o apagamento dos episódios na Suíça, o que mostra que a intervenção corinthiana teve um alcance mais geral do que local. Destacam-se aí dois jornalistas mais ligados ao Flamengo que ao Corinthians: Mauro Cézar Pereira e Eric Faria.
Pois bem, importa ainda dizer o seguinte: Cuca nunca reconheceu publicamente participação no estupro e muito menos explicou como havia seu sêmen dentro do canal vaginal da menina. Sempre se tratou como um injustiçado (que não cumpriu a pena). Pode ser verdade, pode ser que o processo foi uma fraude, mas, caso tenha sido, Cuca poderia ter, ao longo de décadas, explicado o que houve, como sugere, aliás, outro jornalista, Milton Leite. Cuca apenas diz que não lembra direito o que houve, mas que lembra que não estuprou. Me surpreende também que a imprensa não foi atrás dos outros 3 jogadores (que caíram em anonimato, diferente de Cuca) para escutá-los, o que mostra que ela também resiste (no sentido psicanalítico [FREUD, 1912]), ainda. A regra aqui continua a mesma: não se fala sobre o assunto. A discussão não é mais jurídica, o processo judicial expirou - é ética. Podemos tratar esse assunto como uma página virada se Cuca não é jamais claro a respeito da situação?
É estranha a atitude do machismo brasileiro: se um estuprador vai para a cadeia, ele é violentado pelos outros presos, como 'justiça da prisão', como se aquele crime fosse considerado atroz até mesmo por alguns assassinos que porventura ali estão encarcerados. Se um estuprador, no entanto, é famoso - alguém admirado, com o qual muitos jovens se identificam -, como o também jogador de futebol Robinho, condenado pela justiça italiana -, o olhar e a opinião públicos são outros (relembro ainda o processo em curso sobre Daniel Alves, sob custódia da justiça espanhola pelo mesmo motivo). Há sempre o argumento da 'farra', da 'festa', do 'álcool'. Como se a violência sexual cometida por um homem fosse justificada pela idade dele, pela sua excitação sexual ou pelo descontrole causado por substâncias como o álcool e outras drogas. O que está em cena é o desrespeito às minas - o não escutar as minas. O não reconhecimento de que 'não é não'.
A atitude dos jogadores corinthianos de dar um abraço coletivo em Cuca foi exatamente uma tentativa de silenciamento das mulheres: a começar pela vítima do estupro. Mas também de Ana Thaís Matos (diretamente criticada por Roger Guedes em entrevista após o jogo), Milly Lacombe ou Mariana Spinelli. E, ao mesmo tempo, foi uma mostra de que 'para nós, machos, não importa se você estuprou ou não (como se isso não fosse relevante!), o que importa é que somos um grupo que se autoprotege'. Cássio, ao meu ver, o maior jogador da história do Corinthians, queimou o seu filme - precisará fazer o que Cuca ainda não fez: se reposicionar e se criticar publicamente.
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Robinho |
Quanto a isso, é preciso contar um pouco de como essa história também é a história de nós, psicanalistas. Nós não estamos olhando esta história de um ponto neutro ou superior. Especialmente os psicanalistas homens. A seguir farei alguns comentários a respeito da fala e da escuta das mulheres no campo psicanalítico.
O que está em pauta no silenciamento da mulher é a tomada dela como objeto. Objeto não fala, fala-se dele. Ou quando fala, seu discurso é incapaz de verdade. A psicanálise nasceu nesse contexto: as histéricas, objeto incômodo da psiquiatria e da neurologia, pois os médicos não sabiam o que fazer com elas, não sabiam nem calá-las nem curá-las, encontraram dois homens que resolveram não só escutá-las, deixá-las falar, como também atribuíram verdade ao seu discurso. Me refiro a Josef Breuer e Sigmund Freud que expuseram os resultados de sua clínica da histeria, cura e pesquisa em Estudos sobre a histeria (BREUER & FREUD, 1895). Ali lemos que Freud foi interpelado por uma paciente, Emmy von N., lhe dizendo para parar de fazer perguntas e que ele a deixasse falar. E ele consentiu. A partir dali Freud começou a desenvolver sua escuta clínica: aquela que confere ao sujeito a liberdade para associar livremente, a possibilidade de dizer a verdade sobre si (mesmo que seja sempre semi-dita [LACAN, 1969-70]), a possibilidade de resistir ao próprio analista (FREUD, 1921), a possibilidade de ser escutado no que diz, no que atua e até no que cala (id., 1914a). Estes sujeitos, antes de mais nada, eram mulheres que traziam histórias de violência sexual, fossem reais ou fantasiadas - pouco importa, elas sofriam e precisavam elaborar esta dor psíquica.
Mas nem tudo são flores e Freud não deixou de ser um homem por isso. Há sim elementos machistas em sua obra, que foram indicados e criticados ao longo da história. Ao desenvolver sua teoria a respeito das subjetivações masculina e feminina em "Sobre o narcisismo: uma introdução" (id., 1914b), chegou a pensar a libido narcísica como expressão eminentemente feminina e a objetal como masculina. Com isso, Freud estava demonstrando o quanto a figura da mulher é ligada ao objeto erótico e a do homem ao do sujeito ativo que busca dominar o objeto. Um crítico de hoje poderia considerar que esta é uma definição machista. Poderíamos também lembrar o comentário de Freud a respeito do supereu das mulheres: teria menos força interditora (id., 1923).
Há machismo aí? Sim, mas não creio que podemos dizer que Freud não sabia disso. O que, talvez, tenha faltado, em seu texto, era ser claro na indicação de que estas posições são lugares em que a cultura (machista) coloca homens e mulheres. Esta falta de clareza em seu texto, no entanto, é certamente efeito do machismo que marca todo homem e muitas mulheres - Freud incluso - que tendem a naturalizar ou normalizar posições culturalmente construídas a partir de jogos de poder e saber. Digo que Freud sabia do machismo subjacente a estes modos de subjetivação porque ele é o autor dos ensaios sobre a psicologia do amor, onde se mostrava um grande crítico da misoginia e do machismo. "Um tipo especial de escolha de objetos feita pelos homens" (id., 1910), "Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor" (id., 1912) e "O tabu da virgindade" (1918 [1917]), tomados em conjunto, são um verdadeiro tratado crítico contra a misoginia e a depreciação da mulher no machismo estrutural. A dificuldade parecia estar - e ainda parece estar em nossa atualidade - em encontrar formas de subjetivação não-machistas, o que não impediu a psicanálise de se posicionar criticamente a uma cultura fálica que restringia as mulheres aos lugares de esposa e mãe.
Talvez por isso, desde cedo, a psicanálise atraiu mulheres não somente como pacientes, mas também como praticantes e pensadoras. Numa época em que não se concedia destaque a mulheres em quase nenhuma área profissional com status intelectual, como as ciências, e na qual figuras como Marie Curie eram exceções fenomenais, a psicanálise já tinha mulheres em destaque em profusão, se comparada a outros campos. Já entre os primeiros discípulos de Freud encontram-se Lou Andreas-Salomé e Sabina Spielrein. Não muito depois, se juntaram a elas a própria filha caçula de Freud, Anna, e outras mulheres que se tornaram expoentes do movimento e da história psicanalíticos - Helene Deutsch, Melanie Klein, Susan Isaacs, Paula Heimann, Marie Bonaparte, Françoise Dolto, Colette Soler e, aqui no Brasil, Neuza Santos Souza, Helena Besserman-Vianna, Teresa Pinheiro, Maria Rita Kehl dentre outras. E foram elas, em destaque Helene Deutsch, quem criticaram e estimularam Freud (que as escutou como pôde) a repensar sua teoria da subjetivação feminina.
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Helene Deutsch |
Se, para Freud, a subjetivação feminina, no atravessamento do Complexo de Édipo era simétrica à masculina, por efeito das críticas que recebeu - das mulheres - (críticas que eu traduziria por 'uma mulher não é um homem ao contrário, uma mulher não pode ser pensada e definida exclusivamente a partir do padrão homem'), em O ego e o id (id., 1923a) e com a introdução do conceito de falo e recolocação do Complexo de Castração (id., 1923b), começa-se a operar uma nova formulação das subjetivações feminina e masculina não mais como simétricas. Em textos posteriores (id., 1925, 1932, 1933, 1937), Freud, aos poucos, reformulará sua teoria da sexualidade feminina. Não cabe a este texto apresentar a teoria da sexualidade feminina freudiana, mas apenas sinalizo que se o falo não é mais o pênis real, mas uma figura imaginária (afinal, há o falo da mãe em textos como "O fetichismo" [id, 1927]), ele também incide na subjetivação da mulher, mas a cultura distribui o lugar do falo entre homens e mulheres a partir de considerações anatômicas. Outro ponto a se destacar diz respeito ao gozo da mulher que deixa de ser pensado como exclusivamente referente ao falo, como também marcado por algo de muito primitivo, de uma relação com a mãe jamais interditada como é a relação do filho homem com a mãe. Importa comentar que Lacan retomou estas notas freudianas para designar uma mulher e seu gozo como não-toda marcada pela referência fálica (LACAN, 1971-72).
Entendo ser possível, considerando nossa discussão aqui, traduzir assim essa última formulação: o homem não escuta uma mulher se ele a escuta integralmente dentro da lógica que lhe dá um lugar de homem e lha dá um lugar de mulher, uma lógica de partição binária de lugares machista: a lógica fálica. A escuta deve estar aberta também a algo que excede, que não se coaduna à captura falocêntrica, patriarcal, masculina, na experiência do feminino. É o que resiste à captura, é o que escapa ao domínio do macho o que gera a misoginia, o ódio, a raiva, a vontade de dominar ou matar ou estuprar a mulher - exatamente porque põe o falocentrismo e o lugar do macho em questão. E a psicanálise, no entanto, tem demonstrado, ao menos a mim, que escutar as mulheres não me ofende nem me destrói enquanto sujeito, mas, ao contrário, me desmonta enquanto eu/objeto que se quer fálico - e quanto a isso às agradeço.
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Melanie Klein |
Eis a grande ironia da dialética machista: se a mulher é colocada como objeto e o homem como sujeito, é, no entanto, por insistir em se ver como um, como eu potente e senhor do objeto fálico (buscando, às vezes, se identificar a ele), que o homem pode ser brutalmente violento contra a mulher, a quem ele secretamente reconhece sim como sujeito e, por isso mesmo, tenta calá-la e reduzir a objeto sexual.
Se respeitarmos as minas, escutarmos o que têm a dizer, certamente perderemos muito da pretensão fálica, mas e daí? A psicanálise mostra que nosso sofrimento é bem mais tolerável, negociável e elaborável quando reconhecemos nossa falta, nosso desamparo e nossa força desejante - e escutar as mulheres ajuda muito nisso. E, ainda assim, trata-se de um exercício constante para homens - psicanalizados ou não -, uma vez que estamos estruturalmente enredados num sistema de significações, saberes, práticas e hábitos construídos ao longo dos séculos de machismo que nos formaram. Como Freud sabiamente lembrou: uma vez que a libido se fixa a certos objetos ou modos de encontrar prazer, ela resiste de forma viscosa a abandoná-los (FREUD, 1905), o esforço é contínuo para desgrudar o erotismo misógino de nosso repertório. Cabe, ao jogador de futebol, ao técnico, ao torcedor e ainda mais ao psicanalista brasileiros este esforço e exercício cotidiano, posto que nosso país está entre os que mais matam e estupram mulheres.
Como se diz a respeito do racismo, com razão, deve-se dizer também do machismo: não basta não sermos machistas, temos de ser anti-machistas. Os corinthianos realizaram um avanço civilizatório para este país: a partir de agora, não se tratará mais de modo mundano um estupro de menor por parte de ninguém, assim espero.
#RESPEITAASMINAS
Obrigada, gostei muita da parte envolvendo Cuca, a segunda parte não me envolveu por parecer-me uma tomada de posição na psicanálise e como não conheço, e não sendo do campo não pretendo conhecer as psicanalistas mencionadas me abstenho de um comentário. Muitas vezes sinto-me envolvida numa discussão sobre machismo mas um machismo específico homo- e/ou bissexual que simplesmente fica afora dos meus interesses. Citando os franceses “ça me dépasse” e dá-me vontade de citar Serge Gainsbourg “ moi non plus“
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