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Hoje não escrevo sobre uma obra de arte específica, mas sim sobre a obra, a produção de uma trajetória de vida artística, de Jackson Pollock.
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Um. Número 31 (Jackson POLLOCK, 1950)
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Pollock foi um pintor estadunidense do século XX, cuja maior produção foi feita nos anos 40 e 50, interrompida por sua morte precoce.
Quem já se deparou com um quadro de Pollock, geralmente de tamanho monumental, não sai ileso. É impactante. Quem já leu ou viu registros do seu processo criativo também. Pollock pintava com a tela no chão, deixava a tinta pingar, atacava a tela com movimentos de violentos a
sensuais numa espécie de transe extático, uma dança agressiva cujo resultado vemos nos mais diversos museus de arte moderna do mundo - e hoje também na louvada
internet. Aliás, a mistura de violência e sensualidade é o nosso assunto de hoje.
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Pollock pintando
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Seu trabalho foi catalogado como parte do estilo que ficou conhecido como Expressionismo Abstrato, primeiro passo dos E.U.A. para ocupar a vanguarda da arte moderna. É certo que outros artistas como Hans Hoffman e Franz Kline, também representantes do movimento, fazem aparecer em suas telas gestos de uma dança agressiva e extática, mas Pollock me interessa por uma outra característica: a
repetição presente em suas telas.
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Hastes azuis (Jackson POLLOCK, 1952)
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Pollock repete incessantemente seja na mesma tela, seja em diversas telas, alguns elementos pictóricos: gotejamento, linhas serpenteando, rajadas de tinta, filamentos, zigue-zagues...O resultado de cada trabalho é um montante de gestos repetidos se interrelacionando, um emaranhado festivo. É como se cada modo de marcação da tela (por exemplo: as linhas serpenteantes) fluísse em desacordo para, em seguida, geranr uma nova harmonia com outros gestos do mesmo tipo ou de tipos diversos (por exemplo, os pingos).
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Convergência (Jackson POLLOCK, 1952)
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Já se comparou a arte de Pollock aos escritos
beatnics (p.e.
Uivo [GINSBERG, 1955] e
Na estrada [KEROUAC, 1957]) e ao
bebop, o estilo de
jazz contemporâneo à sua produção, invenção de Charlie Parker e Dizzie Gillespie. Não sei se concordo. Nessas experiências estéticas - literatura
beatnic e
jazz no estilo
bebop - se exalta a
catarse expressiva, sensual e agressiva, e no caso do
bebop, ainda a liberdade de linhas melódicas diversas a se relacionar ao mesmo tempo, provindas de todos os instrumentos, porém sustentando uma relação harmônica. Trata-se da elevação do improviso a um extremo ainda não experimentado.
Nesse sentido, há, certamente, relação: tudo isso também se percebe na pintura de Pollock. Entretanto, o trabalho deste pintor é em camadas, não sincrônico como no
bebop. Além disso, seu efeito é monumental, enquanto o
bebop parece desconstruir melodias monumentais, transformando-as em meros temas para o jogo começar. Pollock, finalmente,
constrói a partir da repetição, enquanto o
bebop tenta reduzí-la a um mínimo: a cada vez, a melodia que seria repetitiva é subvertida de modo radicalmente diferente. Nesse sentido, parece mais próximo da escrita
beatnick do que do
bebop.
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Charlie Parker
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Enfim, a repetição em Pollock me interessa pois parece nos ajudar a pensar um tema importante em
psicanálise: o da memória, ou para ser mais preciso, o modo como registramos mentalmente nossas experiências, na medida em que, para a psicanálise, a memória não se resume à lembrança
consciente. Freud ensaiou muitas vezes construir modelos de um psiquismo como um aparelho de registro de experiências, um aparelho de memória, como sempre sublinhou Luís Alfredo Garcia-Roza (1991). No início, na sua monografia
Sobre as afasias (1891) e no seu
Projeto para uma psicologia científica (1895), Freud buscou um modelo neurológico; depois, a partir de
A interpretaçãodos sonhos (1900), um psicológico...esse esforço despertou, nos anos 60, o interesse do filósofo franco-argelino Jacques Derrida, em "Freud e a cena da escritura" (1964), que chamou atenção para algumas características do
registro, do
arquivo e da escrita psíquica, em Freud: repetição e violência,
afeto e ideia.
A ênfase de Derrida recai sobre o seguinte: o registro mental é marcado por uma violência afetiva; ao mesmo tempo em que guardamos uma ideia, uma imagem, uma cena, algumas palavras - porque elas nos geram prazer, isso não acontece de modo plácido, mas acompanhado, ou melhor, movido por uma carga afetiva intensa, a qual agita nossa mente a dar algum destino a este excesso afetivo. O destino é um novo registro de uma
outra cena, outras palavras etc. que levam a mais outra e assim por diante, até que isso desemboque na descarga motora do afeto. É isso,na leitura derridiana, a cadeia associativa - um
trilhamento (FREUD,1895), uma escrita através de marcações (id, 1896).
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Jacques Derrida
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O efeito é, como o termo trilhamento indica, o de uma trilha por onde percorrem ou, numa metáfora hidráulica ou elétrica, escoam ideias e afetos de modo indissociável. A cada vez que uma ideia ou um afeto é reativado, o mesmo
circuito se repete; logo, estaríamos fadados à repetição. No entanto, se a repetição ocorrer com um aumento das cargas afetivas, pode gerar transformações naquilo que teria sido a repetição do mesmo; assim ocorreria uma diferença, podendo ser ela sutil ou radical (tudo dependendo da intensidade considerada); em outras palavras, a diferença surge da repetição gerando pequenas mudanças no trilhamento, de modo que o mesmo e o diferente são ocorrências simultâneas ou impossíveis de serem distinguidas claramente.
Nossa memória não é fiel ao ocorrido e nem mesmo às vezes recentes em que se ocupou de lembrar uma mesma cena mais antiga. Vejo a obra de Pollock desta maneira: percursos repetitivos que, a cada atualização, repetem o gesto anterior com intensidade afetiva extrema, o que acaba por produzir diferenças na repetição. Não uma série, mas um circuito louco de mesmas coisas tornadas diferentes.
É assim que Pollock escreve. É assim que, se seguirmos a leitura derridiana do aparelho freudiano de escrita psíquica, nós registramos nossas experiências: com prazer sensual e movidos por uma força violenta e repetitiva, de modo que as estruturas que se formam, ao mesmo tempo se deformam, transformam e formam, com o tempo, novas estruturas.
Muito interessante a relação entre afeto e repetição, e a obra de Pollock! A confusão dos circuitos nas telas parecem representar a complexidade e o emaranhado das associações e afetos presentes na nossa experiência subjetiva e psiquismo. Parabéns pelo trabalho!
ResponderExcluirSim. É isso mesmo! Obrigado
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